sábado, 13 de outubro de 2007

HÁ ALGO DE PODRE NO REINO DAS MÍDIAS

Nove e pouco da noite de uma sexta-feira, dia doze de outubro de dois mil e sete. Provavelmente, milhões de famílias brasileiras estavam reunidas em frente à televisão nesse final de feriado, assistindo a novela das oito da Rede Globo, o programa mais popular do país há algumas décadas. Na trama, ambientada no Rio de Janeiro, um casal de amantes, um rico empresário e uma pobre suburbana, sai do motel e resolve ir ao circo. Chegando lá, assistem aprazivelmente ao espetáculo. Paralelamente, numa favela vertical que se encontra nas proximidades do circo, desenvolve-se uma cena onde dois homens armados se embriagam e brincam com as suas armas. Começam a disparar a esmo os seus fuzis, e uma bala perdida atinge o empresário, que morre imediatamente, diante da mulher com quem estava.
Sabemos que, diariamente, pessoas sofrem violência. Estupros, seqüestros, assaltos, homicídios fazem do cotidiano não só do carioca, mas em grande parte do mundo atual. As produções voltadas ao entretenimento audiovisual, como não poderia deixar de ser, aproveitam-se dessa grande matéria-prima, transformando violência em espetáculo. Até aí, compreende-se, apesar desse não ser o tipo de divertimento ideal se queremos um mundo de paz e tranqüilidade para os nossos próximos. Não obstante, desde o lançamento pirata do filme Tropa de Elite (vide crítica feita na postagem anterior), estamos num momento onde a mídia centrou a atenção na questão da Segurança Pública, e a discussão centrou-se na legitimidade da repressão ante a situação de caos violento propagada pelos veículos de comunicação. Então, voltando a atenção para a novela, levanta-se a questão: Por que essa cena? Será algo aleatório, um lance criativo do diretor da novela? Porque colocar, numa trama de ficção, alguém morrendo de forma tão absurda? E mais, com essa ambientação tão próxima a nós? Quais são as intencionalidades implícitas?

Milhões de pessoas passam todos os dias naquele local, freqüentam aquele circo, sabendo (embora muitos fingindo não saber) da existência daquelas favelas; ou moram próximo a comunidades como aquela. É fato que podemos esperar de tudo do ser humano, mas não chegamos ainda a ponto de pensar que os bandidos possam nos acossar daquela forma. Até poderiam, se considerarmos a situação de miséria que aquelas pessoas vivem em espaços muito próximos a quem vive no luxo e conforto. Porém, a realidade é mais complexa, o bandido sabe que se molestar de forma muito explícita o indivíduo do asfalto, a repressão contra ele aumentará, e seu negócio vai deixar de fluir. Não estou aqui dizendo que bandido tem consciência social, só estou afirmando que bandido não é burro. Eles não querem tomar o Estado, muito pelo contrário, querem este distante para que possam exercer com tranqüilidade o nicho de poder que possuem.

Essa mesma novela possui um núcleo situado numa favela, onde a paz é mantida por um líder carismático e assistencialista, que mantém a ordem no lugar com base numa milícia particular, que mantém o monopólio da violência. Na comunidade, não existe tráfico, nem nenhuma contravenção, porque o tal líder deseja o ¨bem¨, é uma pessoa idônea. Em troca, ninguém tem privacidade, visto que ao tal soberano é dado o direito de intervir na esfera privada dos moradores quando este acha que há algo errado. Agora, vamos parar e pensar: primeiro, uma bala perdida partida de um lugar onde provavelmente existe o tráfico, e depois a existência de um exemplar modelo de autoridade despótica, que mantém a ordem em troca da liberdade de expressão e ação das pessoas. Qual é a racionalidade lógica ? Numa sociedade violenta, dá-se o poder a uma instância, que em nome da preservação da vida, controla a liberdade das pessoas. Porém, a esfera política não é ocupada por algo extra-social. Ela representa uma parcela da sociedade interessada na hegemonia desse poder.Há algo de podre no reino das mídias!!!

Agora, uma tentativa de resposta às intenções dessa novela, e paralela, a da própria apropriação do discurso do filme mencionado. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro, vivemos num momento onde esferas particulares de poder, como as milícias, estão atuando nas comunidades pobres, expulsando o tráfico e vendendo a segurança, isso sem o consentimento prévio das pessoas. Vemos então a necessidade de atuação do aparelho de Estado diminuída, visto que ela só é necessária onde existe a presença ilícita do tráfico e dos crimes a ele associados. Nas zonas mais centrais do núcleo urbano, onde a presença do Estado torna-se necessária, legitima-se a atuação das tropas de elite, uma forma de combater o crime sem acabar com a desigualdade social. A mídia, propagando o medo da violência causado pela criminalidade, e a legitimação da atuação das ¨tropas de elite¨e dos poderes paralelos, tentam incitar o pensamento conservador no Brasil – que além de ter uma tradição forte, também tem um grande potencial de intensificação dado o baixo grau de instrução de nossa população - e de um capital que quer se expandir sem se preocupar com o problema social vinculado a essa expansão.

Portanto, não podemos esquecer que a maioria dos fascismos se apoiou em fortes aparatos de propaganda, e elas atuavam exatamente na manipulação da psicologia das massas, forjando inimigos e heróis na explicação dos principais problemas da sociedade. Vivemos num Estado de Direito, representativo e democrático, e por mais defeituoso que ele seja, não podemos perder a liberdade que conquistamos em nome de um medo vinculado tendenciosamente.


quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O ESPETÁCULO DA VIOLÊNCIA

Ontem fui assistir ao tão badalado ¨Tropa de Elite¨. Muita expectativa, dada a repercussão na opinião pública causada antes mesmo do seu lançamento. Ouvi muita coisa das pessoas que assistiram a cópia pirata ou ¨ouviram dizer¨. Estão entre elas: ¨O filme é fascista e legitima a repressão¨; ¨É um filme que critica a classe média, mas que foi feito para ela¨; ¨O filme detona a imagem da polícia¨....Ou seja, o filme foi ensejo para discutir-se o aparelho do Estado em seu aspecto repressivo (ou seja, a polícia); a relação desse mesmo Estado com a sociedade, mais especificamente com a classe média; a hipocrisia dessa classe média que critica a atuação das instituições legais mas que no fundo também as infringe.

Algo me dizia para não assistir a cópia pirata. Não, não sou o bom moço contra a pirataria ou baluarte da luta pelo cinema brasileiro. Apenas não assisti porque não me deu vontade, queria ver o filme finalizado, ir ao cinema. E assim fiz. Aproveitei a quarta-feira livre e de preços promocionais para sair de casa e fazer o que planejara. Escolhi o cinema Palácio, no centro da cidade. A ¨meia¨ lá é três e cinqüenta às quartas, acho que nenhuma outra sala tem esse preço. Fui no horário das seis e vinte. Quando vi a sala cheia e muita gente falando, pensei ¨Que merda, deveria ter ido numa sessão mais cedo¨. No final do filme, descobri que minha opinião sobre a obra seria outra se aquelas pessoas não estivessem lá.

O Palácio é um cinema que, por sua localização e preços, é freqüentado por pessoas de (quase) todas as classes sociais e ocupações. Ou seja, ontem não estava no cinema somente a classe média. O filme se passa em 1997, no momento da visita do Papa João Paulo II ao Rio de Janeiro. Conta a estória, naquele contexto, da tropa de elite da PM, o tão conhecido BOPE. A narrativa é levada em off pelo próprio protagonista do filme , o capitão Nascimento. A trama gira em torno da saturação desse personagem em seu estressante ofício e a sua busca por um substituto, visto que, às vésperas da paternidade, ele não se vê mais capacitado para ocupar aquela função. Como candidatos à vaga, os honestos aspirantes Netto e Matias, sendo o primeiro um rapaz branco e impulsivo, aficcionado pela guerra; e o segundo, um jovem negro, metódico e inteligente, que ao mesmo tempo em que exerce sua profissão de PM, cursa uma faculdade de Direito numa instituição particular.
É nessa instituição que gira um dos sub-núcleos, onde habita uma pretensa classe média que, apesar de ¨instruída¨, alimenta o tráfico através do consumo de drogas. É mostrado como a droga penetra na universidade, como os próprios estudantes traficam e tem ligações estreitas com o morro. Correndo paralelo a esse espaço, a atuação da Polícia Militar convencional, corrupta e estereotipada como um dos elementos da engrenagem da violência e do caos social, pessoas sem coragem nem vontade para combater a violência e fazer cumprir a lei, exatamente porque lucram com a violência e com o poder de cumprir (e também não cumprir) a lei.

Nesse meio de corrupção e degenerescência moral, eis que surge o Bope. A Tropa de Elite é caracterizada - e para isso o diretor recorre a narrativa para justificar que é a própria tropa falando de seu ofício e de como vê a sociedade – como último pilar de salvação da moral, um setor não-convencional da polícia, onde a corrupção não entra e reprime-se pra valer aquele que descumpre a lei. Lá, o resto da polícia militar é vista com ares de desprezo, a seleção para a entrada na ¨elite¨ é feita por um treinamento que visa a pressão psicológica constante, com o principal objetivo de impedir a entrada de corruptos. O soldado do BOPE é treinado para ser frio, pois apesar de saber que a pobreza produz os criminosos, mata mesmo assim porque não é ela a culpada pela pobreza.
O filme, portanto, abre margens para as múltiplas discussões que realmente abriu. Não obstante, creio que a verdadeira questão do filme não é nossa classe média viciada e paranóica; muito menos a PM corrupta. O maior impacto que o filme criou em mim foi exatamente como as pessoas receberam o filme: a tortura sendo aplaudida, a corrupção na PM como motivo de risos, a exaltação do caos e, o que é pior, da violência como a principal arma para combater a violência. Não venham me dizer que ali, naquele cinema, estava somente a classe média. Não! Ali estavam pessoas a mercê cotidianamente da estética da violência, fascinante e assustadora. Em termos de linguagem de cinema, o filme nada tem de inovador, na verdade importa uma linguagem presente nos principais filmes de ação do mundo (como exemplo, basta pegar qualquer filme do diretor Tony Scott e comparar – a propósito, ¨recomendo¨ Chamas da Vingança). Mas a realidade é a nossa, e aí entra a incapacidade das pessoas de discernir realidade de ficção, o real do que nos é contado sobre ele. O filme não atrai as pessoas porque elas estão preocupadas em refletir a realidade, elas querem entretenimento, e a linguagem do filme de ação produz um excelente. É só contar quantos planos-sequência sem cortes drásticos existe no filme. Nenhum. É movimento a todo instante, música alta e tiros para prender a atenção do espectador pela catarse do espetáculo. Como pano de fundo, uma estória sendo contada, de heróis sem deformações morais que tentam extirpar o que há de podre na sociedade – a corrupção e o crime. A tortura não é aplaudida pela tortura, nem a humilhação é exaltada pelo simples ato de diminuir alguém. Esses atos são aprovados porque partem de pessoas que estão pretensamente defendendo nosso bem-estar, de indivíduos superiores que garantem a ¨fé no ser humano¨. A eles, até o não cumprimento na lei é permitido pelas boas intenções (como no caso da oficina mecânica e na operação para prender o traficante Baiano). Numa sociedade como a nossa, de exaltação do indivíduo, super-heróis viram exemplos irreprimíveis a serem seguidos.

Assim, a classe-média e a PM não estão no filme à toa. São exatamente os contrapontos necessários dos mocinhos. Torna-se sim um filme de conteúdo fascista, ao passar a imagem de que as boas intenções dão margem para burlar as leis e os direitos humanos em nome da repressão, mesmo que inocentes paguem por isso. Disseram-me que o diretor justifica o filme por ser o ponto de vista do BOPE ali contado. Até acredito que seja, mas será que uma pessoa tão esclarecida como José Padilha não refletiu como essa visão pode ser compartilhada pela maioria de nossa sociedade e não ser discernida pelo espectador? Uma sociedade que cultua o espetáculo, que sofre mas também se diverte com a violência; que assiste todo o dia nos telejornais a violência e corrupção correndo impunemente, com bons e maus claramente identificados pela mídia tendenciosa. ¨Tropa de Elite¨ não problematiza e mostra a complexidade, somente explicita e simplifica, entrega à sociedade um argumento pronto para a legitimação da repressão. É um filme que quer público, e não pessoas discutindo o absurdo de existir uma sociedade que produz ¨coisas¨ como o tráfico e o BOPE!!!

Filme: ¨Tropa de Elite¨, 2007, Dir: José Padilha.

domingo, 7 de outubro de 2007

POESIA À ALGUÉM

As palavras são medidas do pensamento,
endereço do sentimento, e quando em ti penso
Percebo uma nômade que não se enraiza
Que, sem fadiga, fica onde quer estar.

Se te desse um nome, te daria um lugar,
Estaria mentindo, pois não sei te encontrar
Sei onde moras, teu nome e telefone,
Mas o que falo é de amor, amizade e sonho.

Mãe, amiga, irmã, namorada,
Vadia, querida, sincera, perdida,
Bruxa, fada, santa, vampira

Nessa instância metafísica, fique a vagar
Sem destino pra onde ir, sem vontade de fixar
Pouco importa, só não suma sem avisar.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Uma Passagem Bonita!!Dá até para sentir.....

¨A gente já espera ficar triste no outono. Uma parte da gente morre a cada ano, quando as folhas caem das árvores e seus galhos ficam nus, batidos pelo vento e a luz torna-se fria, invernal. Mas sabíamos que haveria sempre outra primavera, assim como sabíamos que o rio fluiria de novo depois de ter estado congelado. Quando as chuvas frias continuavam durante longo tempo e acabavam matando a primavera, era como se um jovem tivesse morrido à toa.Naqueles dias, porém, a primavera sempre triunfava, mas dava-nos um frio na espinha pensar que faltara pouco para que ela tivesse falhado.¨ (Ernest Hemingway - ¨Paris é uma festa¨ - pp 51-52)