quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O ESPETÁCULO DA VIOLÊNCIA

Ontem fui assistir ao tão badalado ¨Tropa de Elite¨. Muita expectativa, dada a repercussão na opinião pública causada antes mesmo do seu lançamento. Ouvi muita coisa das pessoas que assistiram a cópia pirata ou ¨ouviram dizer¨. Estão entre elas: ¨O filme é fascista e legitima a repressão¨; ¨É um filme que critica a classe média, mas que foi feito para ela¨; ¨O filme detona a imagem da polícia¨....Ou seja, o filme foi ensejo para discutir-se o aparelho do Estado em seu aspecto repressivo (ou seja, a polícia); a relação desse mesmo Estado com a sociedade, mais especificamente com a classe média; a hipocrisia dessa classe média que critica a atuação das instituições legais mas que no fundo também as infringe.

Algo me dizia para não assistir a cópia pirata. Não, não sou o bom moço contra a pirataria ou baluarte da luta pelo cinema brasileiro. Apenas não assisti porque não me deu vontade, queria ver o filme finalizado, ir ao cinema. E assim fiz. Aproveitei a quarta-feira livre e de preços promocionais para sair de casa e fazer o que planejara. Escolhi o cinema Palácio, no centro da cidade. A ¨meia¨ lá é três e cinqüenta às quartas, acho que nenhuma outra sala tem esse preço. Fui no horário das seis e vinte. Quando vi a sala cheia e muita gente falando, pensei ¨Que merda, deveria ter ido numa sessão mais cedo¨. No final do filme, descobri que minha opinião sobre a obra seria outra se aquelas pessoas não estivessem lá.

O Palácio é um cinema que, por sua localização e preços, é freqüentado por pessoas de (quase) todas as classes sociais e ocupações. Ou seja, ontem não estava no cinema somente a classe média. O filme se passa em 1997, no momento da visita do Papa João Paulo II ao Rio de Janeiro. Conta a estória, naquele contexto, da tropa de elite da PM, o tão conhecido BOPE. A narrativa é levada em off pelo próprio protagonista do filme , o capitão Nascimento. A trama gira em torno da saturação desse personagem em seu estressante ofício e a sua busca por um substituto, visto que, às vésperas da paternidade, ele não se vê mais capacitado para ocupar aquela função. Como candidatos à vaga, os honestos aspirantes Netto e Matias, sendo o primeiro um rapaz branco e impulsivo, aficcionado pela guerra; e o segundo, um jovem negro, metódico e inteligente, que ao mesmo tempo em que exerce sua profissão de PM, cursa uma faculdade de Direito numa instituição particular.
É nessa instituição que gira um dos sub-núcleos, onde habita uma pretensa classe média que, apesar de ¨instruída¨, alimenta o tráfico através do consumo de drogas. É mostrado como a droga penetra na universidade, como os próprios estudantes traficam e tem ligações estreitas com o morro. Correndo paralelo a esse espaço, a atuação da Polícia Militar convencional, corrupta e estereotipada como um dos elementos da engrenagem da violência e do caos social, pessoas sem coragem nem vontade para combater a violência e fazer cumprir a lei, exatamente porque lucram com a violência e com o poder de cumprir (e também não cumprir) a lei.

Nesse meio de corrupção e degenerescência moral, eis que surge o Bope. A Tropa de Elite é caracterizada - e para isso o diretor recorre a narrativa para justificar que é a própria tropa falando de seu ofício e de como vê a sociedade – como último pilar de salvação da moral, um setor não-convencional da polícia, onde a corrupção não entra e reprime-se pra valer aquele que descumpre a lei. Lá, o resto da polícia militar é vista com ares de desprezo, a seleção para a entrada na ¨elite¨ é feita por um treinamento que visa a pressão psicológica constante, com o principal objetivo de impedir a entrada de corruptos. O soldado do BOPE é treinado para ser frio, pois apesar de saber que a pobreza produz os criminosos, mata mesmo assim porque não é ela a culpada pela pobreza.
O filme, portanto, abre margens para as múltiplas discussões que realmente abriu. Não obstante, creio que a verdadeira questão do filme não é nossa classe média viciada e paranóica; muito menos a PM corrupta. O maior impacto que o filme criou em mim foi exatamente como as pessoas receberam o filme: a tortura sendo aplaudida, a corrupção na PM como motivo de risos, a exaltação do caos e, o que é pior, da violência como a principal arma para combater a violência. Não venham me dizer que ali, naquele cinema, estava somente a classe média. Não! Ali estavam pessoas a mercê cotidianamente da estética da violência, fascinante e assustadora. Em termos de linguagem de cinema, o filme nada tem de inovador, na verdade importa uma linguagem presente nos principais filmes de ação do mundo (como exemplo, basta pegar qualquer filme do diretor Tony Scott e comparar – a propósito, ¨recomendo¨ Chamas da Vingança). Mas a realidade é a nossa, e aí entra a incapacidade das pessoas de discernir realidade de ficção, o real do que nos é contado sobre ele. O filme não atrai as pessoas porque elas estão preocupadas em refletir a realidade, elas querem entretenimento, e a linguagem do filme de ação produz um excelente. É só contar quantos planos-sequência sem cortes drásticos existe no filme. Nenhum. É movimento a todo instante, música alta e tiros para prender a atenção do espectador pela catarse do espetáculo. Como pano de fundo, uma estória sendo contada, de heróis sem deformações morais que tentam extirpar o que há de podre na sociedade – a corrupção e o crime. A tortura não é aplaudida pela tortura, nem a humilhação é exaltada pelo simples ato de diminuir alguém. Esses atos são aprovados porque partem de pessoas que estão pretensamente defendendo nosso bem-estar, de indivíduos superiores que garantem a ¨fé no ser humano¨. A eles, até o não cumprimento na lei é permitido pelas boas intenções (como no caso da oficina mecânica e na operação para prender o traficante Baiano). Numa sociedade como a nossa, de exaltação do indivíduo, super-heróis viram exemplos irreprimíveis a serem seguidos.

Assim, a classe-média e a PM não estão no filme à toa. São exatamente os contrapontos necessários dos mocinhos. Torna-se sim um filme de conteúdo fascista, ao passar a imagem de que as boas intenções dão margem para burlar as leis e os direitos humanos em nome da repressão, mesmo que inocentes paguem por isso. Disseram-me que o diretor justifica o filme por ser o ponto de vista do BOPE ali contado. Até acredito que seja, mas será que uma pessoa tão esclarecida como José Padilha não refletiu como essa visão pode ser compartilhada pela maioria de nossa sociedade e não ser discernida pelo espectador? Uma sociedade que cultua o espetáculo, que sofre mas também se diverte com a violência; que assiste todo o dia nos telejornais a violência e corrupção correndo impunemente, com bons e maus claramente identificados pela mídia tendenciosa. ¨Tropa de Elite¨ não problematiza e mostra a complexidade, somente explicita e simplifica, entrega à sociedade um argumento pronto para a legitimação da repressão. É um filme que quer público, e não pessoas discutindo o absurdo de existir uma sociedade que produz ¨coisas¨ como o tráfico e o BOPE!!!

Filme: ¨Tropa de Elite¨, 2007, Dir: José Padilha.

2 comentários:

Morganna disse...

poxa. verdade.
eu ainda não tinha visto por esse ponto. ;\

Ivan disse...

Fala, cara.

Legal sua opinião sobre o filme. Achava, baseado naquela conversa naquele dia lá na faculdade, que você não pensava assim.

Achei esse filme bem ruim mesmo. Estereótipos: da polícia, do Bope, dos universitários. Como pode ser bom? Se ele faz isso em nome "da visão do Bope sobre o assunto", então alguém tem que ensinar pra ele como construir isso cinematograficamente de forma que não fique tão tosco assim. E aí eu até me pergunto: é possível a gente ficar falando pelos outros? Sei lá. Sobre os risos, pra mim só ressalta o quão patético é o estereótipo construído sobre os policiais, no caso; acho que as pessoas riem por isso e simplesmente não percebem, hehe.

Abraço.