segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

A HISTÓRIA DE DOMINGOS (PARTE I)

¨O problema não é com vocês, o problema é comigo. Eu preciso ir embora, me desculpe, não dá,
realmente me sinto mal aqui. Sei que tinha pensado outra coisa, planejado coisas maravilhosas, mas tenho sérios problemas que enquanto não resolver, não conseguirei ser o amigo que vocês tanto desejam. Me desculpem, mas cansei de decepcionar as pessoas próximas a mim e principalmente a mim mesmo. Estou indo agora. Adeus.¨


Fazia calor naquela manhã de dezembro. Era o dia da virada do ano no Rio de Janeiro. Quase todo mundo planejava aquela noite, acordava-se cedo, ligava-se para os amigos, separava-se a roupa branca e as roupas íntimas especializadas conforme o que se queria com mais intensidade para o ano que entraria. Domingos não planejava nada. Só pensava a merda em que estava a sua vida, sem solução para os vícios da mente. Acordou cedo, sim, mas não para planejar coisa alguma, mas para fazer o que faz sempre: se exercitar na praça próxima a sua casa.

A praça em que Domingos se exercitava fornecia a mente do jovem todo um mis`en`scene`que
sintetiza a complexidade e a hipocrisia do mundo em que vivia. Como exemplo, podemos citar dois casos principais, que alimentavam em Domingos sentimentos contraditórios. Uma era a costumeira reunião de mendigos nos bancos verde-oliva do lugar. Homens com uma certa perplexidade no semblante, alguns mais velhos, outros mais jovens, inclusive uma, somente uma, criança; traziam em seu aspecto algo de sujo, fediam a cachaça às sete horas da manhã. Não, não faziam mal a ninguém, somente pertubavam um pouco a vista harmônica das lindas manhãs de sol do verão carioca. Conversavam alto coisas idiotas, as vezes desconexas. Algumas ocasiões foram vistos brigando entre si, por motivos que não raramente inexistiam. Noutras, deliravam, gritavam alucinados, provavelmente em estados alterados de consciência ocasionados pelos entorpecentes que consumiam. Certo dia, um deles, homem negro, alto, com um porte físico considerável, começou a depredar violentamente um telefone público, completamente fora de si. De dentro do bar, saiu um ancião, com uma vassoura na mão, e sentou nos cornos do meliante. Logo depois, um grupo de taxistas que ali se encontravam ajudaram a linchar aquele homem imundo. Em pouco tempo, dois policiais chegaram e prenderam o depredador. Nessa ocasião, como em todos os dias em que, durante a sua corrida, cruza com aqueles homens sujos na dita praça, sentindo aquele odor de cachaça, Domingos sente algo confuso. Como uma pessoa culta, tem pena daqueles marginais, sabe a dureza que deve acomete-los e pensa como seria bom se alguém ou o próprio Estado pudesse tomar providências em relação aquelas pessoas. Como um ser oriundo da classe média, conservadora por excelência, nosso jovem sente um ódio, contra o qual luta. Nos seus pensamentos, povoam desejos mórbidos em relação aqueles homens, aparecem imagens de espancamentos, fuzilamentos e todo o tipo de possibilidades de extermínio. Limparia-se então da visão urbana aquelas coisas ignóbeis. No princípio, também sentia medo daqueles homens, como dos cães enormes que passeiam na praça pela manhã, mas o tempo e o costume o ensinou que como os cães, aqueles mendigos estavam dosmeticados, adestrados a suportar tudo sem latir ou morder o resto dos homens, deixando em relativa paz a sociedade fora da barbárie.


Não obstante, aquela corrida na praça não propiciava a Domingos somente pensamentos amargos e dolorosos. Havia ali algo que enchia o seu coração de alegria e de esperança. Há um certo tempo atrás, quando ia naquela praça somente malhar os músculos (e não correr), conheceu uma criança, por volta dos cinco anos de idade. Certamente, crianças causam um apetecimento inevitável na maioria das pessoas, assim como os filhotes de cachorros. Mas aquela criança era especial. Uma menina, sem metade dos dentes na boca, troncha e magrela como um cipó. Não sejamos hipócritas: feia. Ela provavelmente deve ser portadora de Síndrome de Down, ou alguma especialidade psíquica. Quando Domingos a conheceu, aquela menina estava acompanhada da avó, mas atualmente aparece acompanhada de um homem mais ou menos cinquentário, talvez um tio ou mesmo um avô. Havia algo nela que fazia o jovem corredor sentir algo indescrítivel, um alento para os seus pensamentos mórbidos. A criança não tinha medo, brincava com os cães ferozes, trepava onde quer que desse na telha, corria, e ria, ria muito, destemperadamente. Cumprimentava a todos que via, sem distinção de cor e sexo. O maior que a acompanhava ficava doidinho com ela. Mas havia ainda mais alguma coisa, que deixava Domingos realmente fascinado. Aquela menina, em seu mundo diferente e feliz, beijava a todos que encontrasse, conhecendo ou não. Demonstrava um carinho totalmente sincero, apenas pela vontade de demonstrar aquele afeto, algo espontâneo, um amor pelo mundo. Domingos então, desde o momento que conheceu a menina pela primeira vez, cada vez que corre naquela praça e cruza o olhar com aquela peraltinha maravilhosa, fica extasiado, todos os seus problemas e confusões dão lugar à um sentimento distinto, uma vontade de ser amado, de beijar as pessoas e ser beijado com sinceridade. Ele pensava: ¨Como seria bom ser pai de uma criança assim¨. (continua)

domingo, 18 de novembro de 2007

Serviço público

Ora, não é difícil encontrar em diversos veículos de informação de grande circulação o slogan ¨estar bem informado¨. Não podemos condena-los, afinal, eles estão vendendo o seu produto, e quem não confiaria em seu próprio taco??

Acontece que tais veículos informam de um dado lugar, por uma dada perspectiva, defendendo um certo grupo de interesses. O grande problemasé que a grande imprensa, essa que nos é mais facilmente acessível, é quase (ousaria dizer totalmente) controlada por poucos grandes grupos, influenciando sobremaneira a opinião pública tupiniquim.

A situação poderia ser pior, se não fosse a internet. Através dela, é possível ter acesso às múltiplas faces da notícia, a diferentes perspectivas e opiniões. Manter-se informado não é saber muito sobre tudo, é ter informações suficientes para saber quais são os interesses em jogo. É saber o suficiente (que só você saberá quando chegar) para julgar criticamente o assunto em pauta.

A crítica individual parte também de um lugar, assim como as opiniões das empresas midiáticas. Esse lugar é definido não somente pelo grau de informações que se possui, mas também pelos seus valores (aqueles passados pela família e pelos meios sociais em que se vive). A relação entre a circulação de informações e os valores de uma dada sociedade é recíproca, ou seja, uma interage com a outra numa relação dinâmica. Porém, numa sociedade onde a imprensa é dominada por poucos e poderosos grupos de interesse, diminui-se o leque de perspectivas para se construir um juízo crítico sobre algo. Constrói-se assim, por esses grupos, geralmente ligados ao poder político vigente, um espaço de hegemonia.

Não obstante, o advento da internet possibilitou um acesso mais diversificado à informação, assim como um espaço mais aberto de expressão para os indíviduos. Infelizmente, não podemos falar em espaço democrático, pois a maioria da população brasileira e mundial ainda é excluída desse bem. Mas ela já se constitui num importante veículo para a promoção de uma verdadeira e autêntica opinião pública, onde a liberdade de expressão e o debate de idéias ocorrem quase plenamente. É esse o tipo de serviço ideal que as inovações tecnológicas devem dispor para um progresso verdadeiro, a busca de uma sociedade onde as diferenças possam conviver num mesmo espaço.

Alguns sites muito bons para quem quer estar ¨bem informado¨:

Agência Carta Maior:http://www.cartamaior.com.br/templates/index.cfm?alterarHomeAtual=1

Brail de Fato:http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia

Revista Caros Amigos:http://carosamigos.terra.com.br/

Correio da Cidadania:http://www.correiocidadania.com.br/

Agência Brasil/Radiobrás:http://www.agenciabrasil.gov.br/

Ciranda Internacional de Informação Independente: http://www.ciranda.net/spip/

Rebelion:http://www.rebelion.org/

Observatório da Imprensa:http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/index.asp

Imprensa Marrom:http://imprensamarrom.com.br/

domingo, 11 de novembro de 2007

Chaplin e a História

11/11/2007
Quando se avalia algum tipo de arte ou conhecimento, faz-se essa avaliação de acordo com algumas regras e padrões, para avaliar o grau de ruptura e transformação que dada produção ocasionou dentro de seu campo. Porém, a percepção do homem é falha, e algumas grandes obras só são reconhecidas muito tempo depois pela coletividade, enquanto genial ou visionária.

Aqui falarei novamente de cinema. Tratarei de um chamado ¨clássico¨, uma obra que até hoje espanta pela sua capacidade de perceber o que ninguém percebia em um momento histórico específico. Falo aqui de ¨O Grande Ditador¨, primeiro filme falado de Charles Chaplin. Lançado em 1940, mas pensado e elaborado nos dois anos anteriores, Chaplin faz uma crítica mordaz aos fenômenos fascistas em pleno apogeu na Europa, exatamente num momento em que tais líderes eram ignorados em suas atrocidades pelos grandes chefes das chamadas ¨democracias¨. Naquele momento, o totalitarismo foi visto como uma forma de se combater a crise econômica pós-29 e o avanço do comunismo. Nesse espaço de cegueira política, Chaplin, abandonando seu Carlitos, satiriza e ridiculariza o Fuhrer alemão, apontando a irracionalidade e criticando o ponto em que o mundo dito progressista havia chegado naquele instante. Seu olhar é de percepção profunda, ao iniciar o filme na Primeira Guerra Mundial, enxergando a ascensão do nazismo como um processo longo, e não uma emergência pragmática. Outro aspecto interessante do filme é a crítica à tecnologia, onde aparece a citação de uma invenção, um gás venenoso, que teria um incrível poder de matar. O fenômeno dos extermínios nas câmaras de gás só apareceria depois de 1940.

No riso da caricata representação de Mussolini e Hitler, o ridículo aparece como uma forma de crítica. De repente, dentro do ridículo, aparece a beleza, o abuso da linguagem cinematográfica numa metáfora ao poder. O ditador do país imaginário Tomânia, Adeline Hinkler, após ouvir de seu ministro de propaganda as possibilidades de seu poder, de vir a ser imperador do mundo, do universo, entra em estado de encantamento. Começa então a brincar com o globo que se encontra em sua sala. Naquela dança, a ingenuidade de um homem que quer dominar o mundo, encenado numa cena bela, a visão de poder do tirano. Talvez a mais memorável cena do cinema.

O filme se encerra com um longo discurso do barbeiro judeu (quase Carlitos), confundido com Hinkler. Seis minutos, nenhum elemento de cena, somente Chaplin e o espectador. Naquele momento, não Hinkler, não o barbeiro, mas Chaplin, encontra um meio de expressar sua opinião, de um contexto ficcional para a realidade, sobre a situação do mundo naquele momento. Faz uma mordaz crítica ao progresso, a ciência, a máquina, enquanto instrumentos de poder para subjugar o homem. Prega então um progresso espiritual, o valor da liberdade, a saída das trevas para um mundo de luz. A ciência e o progresso, no mundo regido pela razão, devem servir ao homem para o bom convívio, à ventura de todos, brancos, negros, gentios... Ciência, progresso, democracia, liberdade, luzes, razão...É um vocabulário que está imerso no universo mental de um mundo hipnotizado pela máquina. Mas Chaplin, homem da arte, na sua construção discursiva, dá valor ao lado mais importante da razão e do progresso, que não só naquele momento, como até hoje (nisso o filme permanece atual), permanece esquecido: a felicidade dos homens.

Discurso final de ¨O Grande Ditador¨

Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos - se possível - judeus..., o gentio... negros... brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, emperdenidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas,
precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A próxima natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora...milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes.

Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis!" A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação
regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão!

Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos.

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade!

No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos.

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah?! O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e
da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança.

Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

domingo, 4 de novembro de 2007

Melhores e Piores Vozes de todos os tempos

O mundo contemporâneo e, ainda mais, o do entretenimento, adora listas. Existem melhores e piores para tudo, com colocações discriminadas detalhadamente. Obviamente, que a maioria dessas listas utilizam critérios arbitrários, além de serem somente veículos de publicidade eficientes dentro de uma sociedade competitiva. Mas não posso negar, é muito divertido discutir essas listas. A última saiu na revista britânica de música Q Magazine, relacionando as melhores e piores vozes de todos os tempos. Vamos aos 10 primeiros de cada um:

As dez melhores vozes:

1. Elvis Presley: colocou sexo no rock;
2. Aretha Franklin: destreza e poder;
3. Frank Sinatra: fluência e fraseado;
4. Otis Redding: intoxicante;
5. John Lennon: expressivo;
6. Marvin Gaye: voz de anjo preso em corpo de homem;
7. Kurt Cobain: angústia adolescente;
8. Robert Plant: dono de um falsete comovente; .
9. Mick Jagger: timbre perfeito para uma estrela do rock;
10. Jeff Buckley: roqueiro dos roqueiros, com estensão vocal igual à de Pavarotti

As dez piores:

Ozzy Osbourne
Mariah Carey
Fred Durst (Limp Bizkit)
Yoko Ono
Einar (Sugarcubes)
Heather Small (M People)
Bobby Gillespie (Primal Scream)
Nick Hayward (Haircut 100)
Céline Dion
"qualquer cantor de death metal"

Fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/03/070305_musica_qmagazine_mv.shtml

sábado, 13 de outubro de 2007

HÁ ALGO DE PODRE NO REINO DAS MÍDIAS

Nove e pouco da noite de uma sexta-feira, dia doze de outubro de dois mil e sete. Provavelmente, milhões de famílias brasileiras estavam reunidas em frente à televisão nesse final de feriado, assistindo a novela das oito da Rede Globo, o programa mais popular do país há algumas décadas. Na trama, ambientada no Rio de Janeiro, um casal de amantes, um rico empresário e uma pobre suburbana, sai do motel e resolve ir ao circo. Chegando lá, assistem aprazivelmente ao espetáculo. Paralelamente, numa favela vertical que se encontra nas proximidades do circo, desenvolve-se uma cena onde dois homens armados se embriagam e brincam com as suas armas. Começam a disparar a esmo os seus fuzis, e uma bala perdida atinge o empresário, que morre imediatamente, diante da mulher com quem estava.
Sabemos que, diariamente, pessoas sofrem violência. Estupros, seqüestros, assaltos, homicídios fazem do cotidiano não só do carioca, mas em grande parte do mundo atual. As produções voltadas ao entretenimento audiovisual, como não poderia deixar de ser, aproveitam-se dessa grande matéria-prima, transformando violência em espetáculo. Até aí, compreende-se, apesar desse não ser o tipo de divertimento ideal se queremos um mundo de paz e tranqüilidade para os nossos próximos. Não obstante, desde o lançamento pirata do filme Tropa de Elite (vide crítica feita na postagem anterior), estamos num momento onde a mídia centrou a atenção na questão da Segurança Pública, e a discussão centrou-se na legitimidade da repressão ante a situação de caos violento propagada pelos veículos de comunicação. Então, voltando a atenção para a novela, levanta-se a questão: Por que essa cena? Será algo aleatório, um lance criativo do diretor da novela? Porque colocar, numa trama de ficção, alguém morrendo de forma tão absurda? E mais, com essa ambientação tão próxima a nós? Quais são as intencionalidades implícitas?

Milhões de pessoas passam todos os dias naquele local, freqüentam aquele circo, sabendo (embora muitos fingindo não saber) da existência daquelas favelas; ou moram próximo a comunidades como aquela. É fato que podemos esperar de tudo do ser humano, mas não chegamos ainda a ponto de pensar que os bandidos possam nos acossar daquela forma. Até poderiam, se considerarmos a situação de miséria que aquelas pessoas vivem em espaços muito próximos a quem vive no luxo e conforto. Porém, a realidade é mais complexa, o bandido sabe que se molestar de forma muito explícita o indivíduo do asfalto, a repressão contra ele aumentará, e seu negócio vai deixar de fluir. Não estou aqui dizendo que bandido tem consciência social, só estou afirmando que bandido não é burro. Eles não querem tomar o Estado, muito pelo contrário, querem este distante para que possam exercer com tranqüilidade o nicho de poder que possuem.

Essa mesma novela possui um núcleo situado numa favela, onde a paz é mantida por um líder carismático e assistencialista, que mantém a ordem no lugar com base numa milícia particular, que mantém o monopólio da violência. Na comunidade, não existe tráfico, nem nenhuma contravenção, porque o tal líder deseja o ¨bem¨, é uma pessoa idônea. Em troca, ninguém tem privacidade, visto que ao tal soberano é dado o direito de intervir na esfera privada dos moradores quando este acha que há algo errado. Agora, vamos parar e pensar: primeiro, uma bala perdida partida de um lugar onde provavelmente existe o tráfico, e depois a existência de um exemplar modelo de autoridade despótica, que mantém a ordem em troca da liberdade de expressão e ação das pessoas. Qual é a racionalidade lógica ? Numa sociedade violenta, dá-se o poder a uma instância, que em nome da preservação da vida, controla a liberdade das pessoas. Porém, a esfera política não é ocupada por algo extra-social. Ela representa uma parcela da sociedade interessada na hegemonia desse poder.Há algo de podre no reino das mídias!!!

Agora, uma tentativa de resposta às intenções dessa novela, e paralela, a da própria apropriação do discurso do filme mencionado. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro, vivemos num momento onde esferas particulares de poder, como as milícias, estão atuando nas comunidades pobres, expulsando o tráfico e vendendo a segurança, isso sem o consentimento prévio das pessoas. Vemos então a necessidade de atuação do aparelho de Estado diminuída, visto que ela só é necessária onde existe a presença ilícita do tráfico e dos crimes a ele associados. Nas zonas mais centrais do núcleo urbano, onde a presença do Estado torna-se necessária, legitima-se a atuação das tropas de elite, uma forma de combater o crime sem acabar com a desigualdade social. A mídia, propagando o medo da violência causado pela criminalidade, e a legitimação da atuação das ¨tropas de elite¨e dos poderes paralelos, tentam incitar o pensamento conservador no Brasil – que além de ter uma tradição forte, também tem um grande potencial de intensificação dado o baixo grau de instrução de nossa população - e de um capital que quer se expandir sem se preocupar com o problema social vinculado a essa expansão.

Portanto, não podemos esquecer que a maioria dos fascismos se apoiou em fortes aparatos de propaganda, e elas atuavam exatamente na manipulação da psicologia das massas, forjando inimigos e heróis na explicação dos principais problemas da sociedade. Vivemos num Estado de Direito, representativo e democrático, e por mais defeituoso que ele seja, não podemos perder a liberdade que conquistamos em nome de um medo vinculado tendenciosamente.


quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O ESPETÁCULO DA VIOLÊNCIA

Ontem fui assistir ao tão badalado ¨Tropa de Elite¨. Muita expectativa, dada a repercussão na opinião pública causada antes mesmo do seu lançamento. Ouvi muita coisa das pessoas que assistiram a cópia pirata ou ¨ouviram dizer¨. Estão entre elas: ¨O filme é fascista e legitima a repressão¨; ¨É um filme que critica a classe média, mas que foi feito para ela¨; ¨O filme detona a imagem da polícia¨....Ou seja, o filme foi ensejo para discutir-se o aparelho do Estado em seu aspecto repressivo (ou seja, a polícia); a relação desse mesmo Estado com a sociedade, mais especificamente com a classe média; a hipocrisia dessa classe média que critica a atuação das instituições legais mas que no fundo também as infringe.

Algo me dizia para não assistir a cópia pirata. Não, não sou o bom moço contra a pirataria ou baluarte da luta pelo cinema brasileiro. Apenas não assisti porque não me deu vontade, queria ver o filme finalizado, ir ao cinema. E assim fiz. Aproveitei a quarta-feira livre e de preços promocionais para sair de casa e fazer o que planejara. Escolhi o cinema Palácio, no centro da cidade. A ¨meia¨ lá é três e cinqüenta às quartas, acho que nenhuma outra sala tem esse preço. Fui no horário das seis e vinte. Quando vi a sala cheia e muita gente falando, pensei ¨Que merda, deveria ter ido numa sessão mais cedo¨. No final do filme, descobri que minha opinião sobre a obra seria outra se aquelas pessoas não estivessem lá.

O Palácio é um cinema que, por sua localização e preços, é freqüentado por pessoas de (quase) todas as classes sociais e ocupações. Ou seja, ontem não estava no cinema somente a classe média. O filme se passa em 1997, no momento da visita do Papa João Paulo II ao Rio de Janeiro. Conta a estória, naquele contexto, da tropa de elite da PM, o tão conhecido BOPE. A narrativa é levada em off pelo próprio protagonista do filme , o capitão Nascimento. A trama gira em torno da saturação desse personagem em seu estressante ofício e a sua busca por um substituto, visto que, às vésperas da paternidade, ele não se vê mais capacitado para ocupar aquela função. Como candidatos à vaga, os honestos aspirantes Netto e Matias, sendo o primeiro um rapaz branco e impulsivo, aficcionado pela guerra; e o segundo, um jovem negro, metódico e inteligente, que ao mesmo tempo em que exerce sua profissão de PM, cursa uma faculdade de Direito numa instituição particular.
É nessa instituição que gira um dos sub-núcleos, onde habita uma pretensa classe média que, apesar de ¨instruída¨, alimenta o tráfico através do consumo de drogas. É mostrado como a droga penetra na universidade, como os próprios estudantes traficam e tem ligações estreitas com o morro. Correndo paralelo a esse espaço, a atuação da Polícia Militar convencional, corrupta e estereotipada como um dos elementos da engrenagem da violência e do caos social, pessoas sem coragem nem vontade para combater a violência e fazer cumprir a lei, exatamente porque lucram com a violência e com o poder de cumprir (e também não cumprir) a lei.

Nesse meio de corrupção e degenerescência moral, eis que surge o Bope. A Tropa de Elite é caracterizada - e para isso o diretor recorre a narrativa para justificar que é a própria tropa falando de seu ofício e de como vê a sociedade – como último pilar de salvação da moral, um setor não-convencional da polícia, onde a corrupção não entra e reprime-se pra valer aquele que descumpre a lei. Lá, o resto da polícia militar é vista com ares de desprezo, a seleção para a entrada na ¨elite¨ é feita por um treinamento que visa a pressão psicológica constante, com o principal objetivo de impedir a entrada de corruptos. O soldado do BOPE é treinado para ser frio, pois apesar de saber que a pobreza produz os criminosos, mata mesmo assim porque não é ela a culpada pela pobreza.
O filme, portanto, abre margens para as múltiplas discussões que realmente abriu. Não obstante, creio que a verdadeira questão do filme não é nossa classe média viciada e paranóica; muito menos a PM corrupta. O maior impacto que o filme criou em mim foi exatamente como as pessoas receberam o filme: a tortura sendo aplaudida, a corrupção na PM como motivo de risos, a exaltação do caos e, o que é pior, da violência como a principal arma para combater a violência. Não venham me dizer que ali, naquele cinema, estava somente a classe média. Não! Ali estavam pessoas a mercê cotidianamente da estética da violência, fascinante e assustadora. Em termos de linguagem de cinema, o filme nada tem de inovador, na verdade importa uma linguagem presente nos principais filmes de ação do mundo (como exemplo, basta pegar qualquer filme do diretor Tony Scott e comparar – a propósito, ¨recomendo¨ Chamas da Vingança). Mas a realidade é a nossa, e aí entra a incapacidade das pessoas de discernir realidade de ficção, o real do que nos é contado sobre ele. O filme não atrai as pessoas porque elas estão preocupadas em refletir a realidade, elas querem entretenimento, e a linguagem do filme de ação produz um excelente. É só contar quantos planos-sequência sem cortes drásticos existe no filme. Nenhum. É movimento a todo instante, música alta e tiros para prender a atenção do espectador pela catarse do espetáculo. Como pano de fundo, uma estória sendo contada, de heróis sem deformações morais que tentam extirpar o que há de podre na sociedade – a corrupção e o crime. A tortura não é aplaudida pela tortura, nem a humilhação é exaltada pelo simples ato de diminuir alguém. Esses atos são aprovados porque partem de pessoas que estão pretensamente defendendo nosso bem-estar, de indivíduos superiores que garantem a ¨fé no ser humano¨. A eles, até o não cumprimento na lei é permitido pelas boas intenções (como no caso da oficina mecânica e na operação para prender o traficante Baiano). Numa sociedade como a nossa, de exaltação do indivíduo, super-heróis viram exemplos irreprimíveis a serem seguidos.

Assim, a classe-média e a PM não estão no filme à toa. São exatamente os contrapontos necessários dos mocinhos. Torna-se sim um filme de conteúdo fascista, ao passar a imagem de que as boas intenções dão margem para burlar as leis e os direitos humanos em nome da repressão, mesmo que inocentes paguem por isso. Disseram-me que o diretor justifica o filme por ser o ponto de vista do BOPE ali contado. Até acredito que seja, mas será que uma pessoa tão esclarecida como José Padilha não refletiu como essa visão pode ser compartilhada pela maioria de nossa sociedade e não ser discernida pelo espectador? Uma sociedade que cultua o espetáculo, que sofre mas também se diverte com a violência; que assiste todo o dia nos telejornais a violência e corrupção correndo impunemente, com bons e maus claramente identificados pela mídia tendenciosa. ¨Tropa de Elite¨ não problematiza e mostra a complexidade, somente explicita e simplifica, entrega à sociedade um argumento pronto para a legitimação da repressão. É um filme que quer público, e não pessoas discutindo o absurdo de existir uma sociedade que produz ¨coisas¨ como o tráfico e o BOPE!!!

Filme: ¨Tropa de Elite¨, 2007, Dir: José Padilha.

domingo, 7 de outubro de 2007

POESIA À ALGUÉM

As palavras são medidas do pensamento,
endereço do sentimento, e quando em ti penso
Percebo uma nômade que não se enraiza
Que, sem fadiga, fica onde quer estar.

Se te desse um nome, te daria um lugar,
Estaria mentindo, pois não sei te encontrar
Sei onde moras, teu nome e telefone,
Mas o que falo é de amor, amizade e sonho.

Mãe, amiga, irmã, namorada,
Vadia, querida, sincera, perdida,
Bruxa, fada, santa, vampira

Nessa instância metafísica, fique a vagar
Sem destino pra onde ir, sem vontade de fixar
Pouco importa, só não suma sem avisar.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Uma Passagem Bonita!!Dá até para sentir.....

¨A gente já espera ficar triste no outono. Uma parte da gente morre a cada ano, quando as folhas caem das árvores e seus galhos ficam nus, batidos pelo vento e a luz torna-se fria, invernal. Mas sabíamos que haveria sempre outra primavera, assim como sabíamos que o rio fluiria de novo depois de ter estado congelado. Quando as chuvas frias continuavam durante longo tempo e acabavam matando a primavera, era como se um jovem tivesse morrido à toa.Naqueles dias, porém, a primavera sempre triunfava, mas dava-nos um frio na espinha pensar que faltara pouco para que ela tivesse falhado.¨ (Ernest Hemingway - ¨Paris é uma festa¨ - pp 51-52)

domingo, 30 de setembro de 2007

Este blog se inicia como um auto-incentivo a crítica, a reflexão e a criação, dentro de uma concepção de arte que busca não a glorificação de uma individualidade, mas sim a intervenção na realidade, uma luta por uma nova concepção de mundo, que dê prioridade aos sentidos e ao sentimento, a verdadeira apreciação das coisas, e não ao consumo desvairado e inócuo.
A publicação de textos aqui será constante e diária, num exercício de disciplina que leve a liberdade através do saber.
Se alguém quiser comentar ou mesmo postar algo e contribuir no enriquecimento do saber com novos pontos de vista, e só mandar uma mensagem e comunicar a sua intenção. Aqui não haverá julgamento de qualidade. Toda a criação e reflexão é válida e construtiva.

Lyra Júnior

Grandes Artistas num grande cinema!!!

Vincent Van Gogh e Kurt Cobain. Certamente, dois homens que influenciaram muito às respectivas épocas em que viveram e que ficaram para a posteridade como exemplos de gênios. Outros personagens também entraram para a História com percursos semelhantes, a escolha dos dois supracitados não é aleatória. Quero tratar aqui de duas representações cinematográficas, uma da década de 50, Sede de Viver, e outra recente, de 2005, Last Days.
Ambas tratam de enfatizar desconfortos insuportáveis com o mundo. Não obstante, em Sede de Viver, Van Gogh é tomado por uma imensa vontade de viver, de tomar o mundo para si, de captura-lo, de encontrar a convergência perfeita entre o sentimento e a expressão. Este filme é uma verdadeira homenagem a arte, enquanto ação na realidade. Assim conta-se à estória desse holandês, filho de um pastor protestante, que via na pintura e na busca incessante das cores que a natureza lhe dispunha a sua própria forma de chegar a Deus, e entre a tinta e a tela, toda a violência de uma personalidade exacerbada pelo conflito entre uma forma tradicional de perceber o mundo – familiar e religiosa – e a forma instintiva e artística de percebe-lo: sua genialidade.
Em Last Days, temos o contraponto da personalidade ultra-sensível. Aqui, Gus Van Sant, um diretor puramente autoral, um sério postulante ao lugar de grande artista, narra a estória de um astro do rock recolhido em seu universo particular, avesso a uma vida que não deseja. A linguagem cinematográfica de Van Saint ,que rompe com os paradigmas do cinema hollywoodiano com sua complicada construção labiríntica de planos-sequências, cai como uma luva para trazer as telas a grande solidão de Blake, nome do personagem inspirado em Kurt. Se Van Gogh é retrato como um homem cheio de vida que quer obsessivamente interagir com o que vê e sente à sua volta (e nessa atitude está a sua arte), temos no Blake/Kurt de Van Sant uma mente fora de um corpo, alguém cuja interação artística com o mundo levou-o ao isolamento dele. Arte em sua pura essência, mas de sentidos opostos, que acabaram levando ao mesmo fim, a fuga da vida. Só a morte deu a eles a tranqüilidade merecida.
Por trás dessas obras, dois grandes diretores de cinema – Vincent Minelli e Gus Van Sant – que sem seus instintos e sensibilidades artísticas, expressas em linguagens cinematográficas completamente distintas, não conseguiriam passar aos espectadores a percepção aproximada dos artistas aos quais tocaram.

Filmes: Last Days, 2005, Dir:Gus Van Sant.
Sede de Viver, 1956, Dir:Vincent Minelli.