quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A HISTÓRIA DE DOMINGOS (PARTE III)

Quando o assunto eram as relações amorosas, como no resto das relações humanas, Domingos seguia pelas mesmas dificuldades. Havia tido poucas namoradas, mas foram relacionamentos traumáticos para o rapaz, houve a construção de uma grande dependência. Talvez descrever o maior de todos os exemplos seja uma forma de ilustrar melhor a situação.

Era ainda o mês de março de 2006. Domingos, apesar de todos os sofrimentos que havia passado no turbulento ano de 2005, encontrava-se bem, estudando muito, retomando algumas amizades de forma moderada, com bons projetos e idéias na cabeça. Se recuperara de um trauma recente, no qual uma menina louca o usou para enciumar um antigo amante, deixando-o apaixonado e a beira da loucura. Mas o pior ainda estava por vir. Nesse mês, foi apresentado a uma menina de 20 anos. Seu nome era Maria. O encarregado da apresentação foi um amigo do colegial, há muito afastado dado as divergências de mentalidade que ocorrem depois de certa altura da vida. Quando a viu pela primeira vez, esperando-lhe junto a seu amigo e a namorada dele, pensou: ¨Isso não vai dar certo.¨ A menina era linda. Tinha uma altura mediana, uma cor de pele branca, cabelos longos e escuros, mas não totalmente negros, os olhos pretos num olhar profundo. Era esbelta e tinha uma certa altivez na postura. Tinha uns seios médios, pernas longas e um pouco curvadas - o que possuia um certo charme - e um belo traseiro, sem a vulgaridade das cantoras de axé mas que poderia fazer miséria na cama, e um rebolado disciplinado e feiticeiro. Tamanha beleza desenganou o rapaz, que não se tinha (como ainda hoje não se tem) na mais alta conta. No primeiro encontro se demonstrou arrogante, presunçoso, bancando uma postura intelectualóide de forma a se postar em posição superior a menina. Mas Maria não era uma menina tola com as quais os seus amigos de colegial até hoje saem, tinha uma sabedoria de mulher, e soube lidar muito bem com a situação, utilizando-se de uma fina ironia e salutar habilidade de maneira a desconcertá-lo e assim colocá-lo numa postura mais afável. Entre tapas e beijos, o primeiro encontro foi frutífero, e frutificou uma necessidade de reencontro. Trocaram e-mails provocativos e ácidos, mantendo assim um certo contato. Ficaram alguns dias sem se ver até que Maria chamou-lhe para sair. Passaram a noite juntos, assistindo a filmes e conversando. Não se beijaram nessa noite. Aliás, Domingos era incapaz de tomar qualquer iniciativa em relação a uma mulher. Além de ter um baixo auto-estima do tamanho do universo e ser dotado de uma grande timidez, não suportava ser rejeitado. A rejeição significava para ele um atentando ao seu próprio ser, visto que a opinião alheia conformava em grande porcentagem a sua personalidade - ainda mais a opinião de uma mulher. Não obstante, continuaram a sair como amigos, durante algumas semanas. As conversas eram interessantes, mas Domingos mantia-se na defensiva. Conversavam sobre tudo, e viam que tinham muito em comum. Porém, a menina gostava muito de conversar sobre sexo, visto que gostava muito do ¨negócio¨e de todo o jogo que o envolvia. Contava de suas experiências, na maioria desagradáveis, e demonstrava sua insatisfação com os parceiros que até aquele instante participaram de sua vida. Acuado, o jovem não queria deixar a desejar naquela troca de experiências, queria ter algo a falar, e das poucas e efêmeras relações que teve, se viu obrigado a aumentar o seu conteúdo e inventar situações que nunca aconteceram. Obviamente que a imaturidade do ¨garoto¨ transparecia, por mais criativo que fosse. Se via constrangido, e o pior, estava se apaixonando pela menina. Sem se desmentir, em certo momento se declarou a Maria. Se demonstrou incisivo, postando que só queria o seu amor, que não continuaria amigo dela se ela não o aceitasse como namorado. Foi recusado, mas voltou atrás, afinal, quem ama não se quer ver longe da amada. Continuaram os encontros, até que em certo momento, Domingos, cansado de mentir a Maria, se viu obrigado a confessar que era virgem. Tinha como certo que a menina o recusaria, achava que ela fosse achar repugnante o fato de um rapaz de 21 anos ainda preservar a virgindade. Mas a reação de Maria foi inversa, e comovida com a demonstração de honestidade do rapaz, beijou-lhe, numa bela noite fria de abril.

Todavia, o namoro não começou de imediato. Maria não havia gostado de ¨ficar¨ com Domingos, achou-o invasivo demais, ansioso demais. Deixou-lhe de molho alguns dias, até que resolveu tentar novamente. Se encontraram e juntos foram para a Lagoa. Só que Domingos sabia que tinha ido como muita sede ao pote e desta vez foi com mais calma. Dessa vez, a menina foi a loucura com os beijos e as carícias do rapaz. Uma mistura de delicadeza com paixão. Dessa vez, foi Maria que se descontrolou, e ali mesmo, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, quase que a virgindade de Domingos é levada embora. Depois desse dia, muitos foram os encontros assim. Os dois pegavam fogo. Se enlaçavam nos braços um do outro, perdiam-se naquele fogaréu de excitação. Como era de se esperar, Maria era mais atrevida, passava a mão nas partes íntimas do rapaz, acariciava-o de tal forma que deixava-o sem graça, dado o caráter inédito de tais investidas sobre o seu corpo. Até o final do relacionamento, o jovem ficou acuado diante do fogo da lânguida rapariga, gemendo de prazer enquanto as bocas e os corpos não se descolavam. Domingos ria, de nervoso e de surpresa, diante de tamanho desejo. E os encontros fluiam. Embora não se declarassem oficialmente, pelo menos da parte do rapaz, sentia-se namorado, um compromisso. Só que passavam-se os dias, os encontros, e a coisa ficava sempre no quase. Mão aqui, língua acolá, mas a situação pública dessas demonstrações de amor nunca possibilitavam o próximo passo. A ânsia era grande. Maria sabia de sua ¨condição virgem¨, o que lhe tirara completamente o medo. Tinha a ilusão de ser o homem que pudesse dar ao seu amor a satisfação que desejava. Sobre a situação de ansiedade, Domingos fez até uma tosca poesia:

No corpo, o desejo transborda
Meus lábios aproximo lentamente dos seus
Desviam, passeiam pela pele
A excitação me toma, mas não controla,
Ainda matura
Suaves, as bocas se tocam, afastam
Avanço e você recua
Avanças e eu recuo
Nos avançamos

As línguas incontroláveis se enrolam,
Se encontram e desencontram,
Sentem um sabor gostoso
É cigarro, hortelã?
Não, é paixão, tesão!
É desespero, quero devorá-la
E ela a mim, agônica
O caos excita, apavora, enlouquece
As cabeças insanas perdem o controle
Interagem, brigam, se amam
Se têm, possuem, consomem

As mãos, antes calmas e conscientes,
Também enlouquecem
Têm fome, pressa
Correm pelo rosto, descem ao pescoço
Voltam, perscrutam os contornos faciais
Revela-se ali um espaço íntimo
o gemido desnuda um prazer escondido

Sobem aos cabelos, e neles se perdem
Puxam docemente, depois empurram, boca a boca
Visitam as orelhas, pela nuca penetram o dorso
Dão a volta e chegam ao peito, descem aos seios
Aperta, com uma só, um a um
Sinto o pulsar de seu coração
Entram pela roupa, ultrapassam o sutiã
Alisam os mamilos, rijos, tesos

Juntas de novo, pelas costelas vão a cintura
Envolvem-na e puxam seus quadris aos meus
Os sexos se encontram mas se ressentem
O contato é indireto, insuficiente
O meu ereto, o seu úmido
Tristes descobrem
Não é hora, nem lugar
Por agora, só as mãos e os lábios consolam

A inspiração era tão grande quanto o amor e o desejo. Parecia que a hora não iria chegar. Até que chegou. Sua irmã Glacyra resolvera viajar com o marido. Domingos então fez o convite. A ocasião chegara. A princípio, Maria ficou relutante. O apartamento de Glacyra ficava acima dos pais de Domingos. Achava que a situação ficaria meio constrangedora. Porém, Domingos garantia que não haveria interferências, e que ela não precisava fazer nada se não fosse essa a vontade. Compraram algo para comer, alugaram dois filmes(Moça com Brinco de Pérolas e Balzac e a Costureirinha Chinesa). Em mais de uma ocasião, alugaram filmes para assistirem juntos. Sempre foi dinheiro gasto a toa. Naquela noite, botaram o filme no aparelho de DVD e deitaram no sofá. O filme foi assitido por quinze minutos. Deitados juntos, a mão dele passeando pelo corpo dela, seus lábios roçando o pescoço, enfim, talvez não seja necessário uma descrição mais pormenorizada. Não obstante, certamente o momento de ansiedade e a inexperiência do rapaz, apesar de Maria agir de forma didática em cada instante, foram motivos para a frustração. A perda da virgindade de Domingos foi realizada algumas semanas depois, mas o fogo dos dois não vingava no momento propriamente dito da consumação do fato. Dormiram juntos várias vezes, copularam inúmeras, sentiam um forte desejo um pelo outro, mas isso não era concluído em prazer, em amor. Ela passou a cobrar imensamente dele, pois queria porque queria que ele a satisfizesse. Domingos se sentia pressionado para conseguir o exigido a ele, se esforçava, bolava mil planos, mas não conseguia. Começaram a brigar, cada vez mais e mais. Ela, percebendo que o rapaz estava em sua mão, começou a humilhá-lo, a jogar em sua cara a postura arrogante e as mentiras de quando se conheceram. Ele se controlava, tentava amenizar, se sentia cheio, mas ainda acreditava que aquilo pudesse dar certo. Quando tudo terminou, viu que apenas uma coisa o mantinha ligado a ela: o sexo. Como o cigarro, ele sabia que aquilo estava lhe fazendo mal, mas não se desligava exatamente pelo prazer imediato que proporcionava. Lutavam mais para manter o relacionamento do que se relacionavam. Maria a xingava, humilhava, ele fazia loucuras por ela, comprava flores, escrevia poesia, levava presentes, mandava inúmeros e-mails. Ela sempre exigia mais e mais, sempre deixando-o inseguro. Ficaram exclusivos um do outro, ela, sem amigos, fez com que ele abandonasse os seus amigos. A vida de um era o outro, um era propriedade do outro, e a possibilidade do roubo deixava-o louco. Maria contava dos seus ex, dos seus sonhos com outros homens, e achava que ele deveria ouvir com compreensão. Dava imensos escândalos quando ele somente citava o nome de outra mulher. Mas por mais que aquilo lhe destruísse, o rapaz persistia, com um sentimento de que aquela seria a única oportunidade de amar (ou de fazer sexo) que possuiria na vida. Imaginá-la com outro era como a morte.
Desde o começo, Maria virou a sua vida. Deixou de estudar, perdeu o foco em que se encontrava, brigou com a família (obviamente devido também a um rancor que ele próprio sentia deles, culpando-os pela inércia em que se encontrava), ficou uma pessoa estressada, neurótico em relação a sua menina, preocupado em mantê-la sempre apaixonada, como se, por ventura, deixasse de demonstrar o seu amor por um minuto sequer, ela o deixaria. Seguia exatamente o contrário do que tinha como modelo de relação amorosa. Por várias vezes pensou em deixá-la, por uma vez até fez isso, mas voltou, e deixou o desejo de largá-la ser controlado pelo desejo sexual que tinha. Obviamente que a questão não era tão simples. Para a forma real como lidava com os amigos, era de se supor que, para alguém que lhe desse tanta atenção e estivesse tão presente em sua vida, a coisa se tornava ainda mais complicada. E por mais que fosse maltratado, espezinhado, esculachado, ela era sua namorada, estava perto dele e ele não conseguia mais viver longe dela, qualquer que fosse a situação. O amor deu lugar a dependência. Nada ilustra mais a idéia de Freud do gozo no sofrimento. Não que Domingos gostasse de sofrer do jeito que sofria nas mãos de Maria, mas para o estudante, era melhor sofrer com ela do que viver sem ela. O sofrimento do vazio que a saída da menina de sua vida causaria, ou melhor, o vislumbre dessa saída, era mil vezes pior do que aquilo que vivia. O fim foi trágico para ele. (continua)

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