quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A HISTÓRIA DE DOMINGOS (PARTE IV)

Era feriado de sete de setembro, e decidiram viajar para Friburgo com a família de Maria. Seria um feriado juntos num lugar diferente, algo que nunca tinham vivenciado, seria bom para o relacionamento. Além disso, Domingos conheceria mais proximamente os pais dela, e não raro, um relacionamento infelizmente estende-se as famílias dos enamorados. E lá foram, partindo pela manhã. Apesar da expectativa boa, a viagem foi penosa para ele. Sabia que os pais da namorada tinham uma péssima impressão sua, e dividir o carro com pessoas que desconfiavam de sua índole era a pior experiência do mundo. Tentou estabelecer um papo amistoso, embora superficial, mas pareciam primitivos, não tinham muito o que conversar, deixando-o bem constrangido. Mas enfim chegaram. Era o meio da tarde, e entre arrumar as coisas, mostrar a casa, comprar suprimentos no armazém próximo, acabou-se o dia. O chalé ficava num bairro alto de Nova Friburgo, dentro de um condominio elevado, deveras chique. Porém, a casinha, comparado às vizinhas, era simples, mal preservada por fora, mas simpática em sua modéstia. No jardim da casa, muitas flores, de diversas cores. Deu tempo para namorarem um pouco, estavam se entendendo bem até aquele momento. Comeram uma pizza naquela noite, assistiram um pouco de TV, e foram dormir. Fazia muito frio. Domingos nunca sentiu tanto frio em sua vida. Colocou um monte de casacos. Maria igualmente. A família da moça era liberal em questões sexuais, não sendo problema o fato de dormirem na mesma cama. Se cobriram com um edredon desconfortável. Domingos odiava dormir com tanta roupa, apesar da necessidade ali pedida. Brigou muito consigo mesmo para cair no sono.

No meio da noite, um pesadelo. Domingos acorda gritando, um grito agônico, quase gutural. Abre os olhos e vê Maria cair da cama. Desperta assustado. Maria se levanta rapidamente do chão e corre para o canto do quarto. Dona Laura, mãe de Maria, entra na quarto, provavelmente assustada com os gritos naquela altura da madrugada. É tranquilizada pela filha e volta para o seu quarto. O coração do rapaz está acelerado. Tudo parece embaçado, confuso, não entende o que se passa. Maria continua distante dele. Domingos conta que teve um pesadelo, diz que não se lembra dele. Eles sobem as escadas e vão para a cozinha, onde o jovem toma um copo de achocolatado quente. Nesse instante, a revelação surpreendente: ¨Domingos, acordei com você tentando me sufocar ¨. O rapaz fica assustado. Diz que aquilo não era verdade, que se lembra somente de ter acordado com ela caindo da cama, provavelmente empurrada por ele. Ela insiste na estória, dizendo que não está louca. Domingos se defende, dizendo que estava dormindo. Ela desiste da discussão, mas não consente em voltar a dormir com o namorado no quarto. Dormem no sofá da sala, com o constrangimento do pai dormindo no chão do recinto.

Acordam na manhã seguinte. Parece que está tudo bem. Maria desce. Meio relutante e após algum tempo, Domingos vai atrás. Conversam um pouco. Ela começa a trocar de roupa. Tira a calça de moleton que vestia. Por baixo, está uma justa roupa de lã, apropriada para o frio que estava fazendo. A calça, entrançada, deixando transparecer entre os fios as pernas e o traseiro desnudo de Maria, excitam Domingos. Ele a agarra por trás, esfregando o seu sexo rijo nela. Beija o seu pescoço, sussurra em seus ouvidos o quanto ficou excitado. Maria também se excita. Vão para a cama e trepam, porém a trepada é muito ruim, como foi a maioria da vida sexual dos dois. Ele goza rápido e Maria o obriga a chupá-la contra a vontade. Percebendo o constrangimento do namorado, ela pede para parar. Maria vai para o banho. Domingos a espera, pensando no que aconteceu. Ela sai do banho diferente, mais fria em relação ao rapaz. Ele percebe e, nervoso, cobra satisfações. Maria explica que teme por sua vida, que na noite anterior, havia sido vítima de um atentado, que Domingos tentara estrangulá-la. Domingos fica possesso e tenta explicar a implausibilidade daquilo que estava ouvindo. Ela permanece inflexível, e ainda diz que o namorado utilizara de sua suposta fragilidade emocional para manipulá-la, não só naquele feriado, mas durante toda a relação. O cara fica muito puto e diz: ¨é assim, então vou embora¨. Maria não acredita e joga em sua cara que aquilo era mais um joguinho de manipulação do astuto. ¨Ah é! Veremos se é um jogo¨. Domingos junta sua roupa e realmente vai embora. Maria tenta dissuadí-lo, sem abrir mão da sua explicação em relação à noite anterior. O rapaz se despede educadamente dos pais e da avó da moça e pega ladeira abaixo, rumo a saída do condomínio e da vida da desgraçada. Maria vai atrás disposta a tentar convencê-lo a voltar, mas não consegue. Domingos titubeia, mas acaba continuando o seu caminho. Segue para o ponto de ônibus e a menina volta para casa. Parece tudo terminado.

Passados quinze minutos, Domingos esperando o ônibus para o centro de Friburgo. Fuma um cigarro, triste e apreensivo com o que se passara. No momento seguinte, aparece Maria de carro com os pais. Ele a manda voltar, mas a menina parece disposta a convencê-lo pela volta. Pega o ônibus com o rapaz. Durante o trajeto, conversam e discutem sobre a validade do relacionamento. Domingos se recusa a perdê-la, fala coisas sem sentido, insiste na imagem angustiante de nunca mais voltar a vê-la, na explicação de que não tentaram o suficiente, no absurdo daquele temor, da estória da noite anterior, daquele fim de namoro. Como forma de aplacar o descontrole do menino (sim, ele era um menino, e possivelmente continua a sê-lo) ela aceita voltar. Passeiam pelo centro de Friburgo, andam de teleférico. Faz frio lá em cima, e a altura atingida pelo transporte causa vertigem ao rapaz, que forçosamente mantém-se no aparente equilíbrio. O medo, aliado ao nervosismo de toda a situação anterior, o faz ter desejos estranhos, os quais o próprio teme. Ele a ama, mas naquele momento quer machucá-la. Tenta se controlar, mas nunca se sentiu tão próximo do descontrole. No caminho de volta para o chalé, a garota pede que o namorado converse com o pai dela. Ele concorda. Ao chegar ao chalé, chama seu Bráulio para o quarto, fala de suas intenções com a filha dele, esclarece o que aconteceu na noite anterior, pede desculpas pelos inconvenientes. Seu Bráulio, covardemente, diz a ele que acredita em sua boa índole e que confia no seu bem-querer por Maria. Todavia, seu Bráulio sempre envenenou aquele relacionamento. Naquele instante, no quarto, o homem também estava com medo do rapaz. Todos estavam. Maria continua evitando a proximidade. Perturbado, Domingo fala coisas sem sentido, parece uma criança desprotegida. Sente que será abandonado. Vão dormir separados. Domingos acorda no sábado sabendo que vão embora naquela manhã, fica contrariado, mas tenta manter a calma. Vai para trás da casa, acende um cigarro. Pensando naquela avalanche de acontecimentos, se derrama em prantos, como a muito não fazia. Está aturdido, desenganado quanto ao seu futuro. Naquele momento, volta a ter cinco anos de idade. Voltam perto do almoço. O retorno é extremamente traumático para o pobre Domingos. Ele sabe que o fim daquela viagem culminará numa rejeição a ele. Muitas coisas vem a sua cabeça, começa a sentir um misto de raiva e vontade de consertar tudo. Naquela pequena viagem, briga e afaga Maria inúmeras vezes. Ele aparenta loucura. No fundo, está confuso, e teme pelo vazio que ela deixará. Mas acaba por complicar tudo naquelas duas horas atordoantes da tarde de sábado, entre a serra e o mar. Ao chegarem, soltam na praça próxima a sua casa, antes de chegarem ao prédio de Maria. Naquela praça onde corre todo o dia, onde namoraram tanto. Conversam e decidem pelo fim daquilo. Mas ele parece inconformado. Chora, chora muito, e sente vontade de voltar atrás. Intermitentes, a declaração de amor e o xingamento, símbolo maior de sua confusão, de sua dependência, de amar o que odeia, de gozar naquilo que lhe causa dor. Na despedida, ambos choram. Mas ali está terminado.

No mesmo dia, Domingos telefonou inúmeras vezes para ela , da casa de um amigo. Foi em vão, ninguém atendia. Voltou no domingo pela manhã para casa, mas antes de chegar, ainda passou pela porta do prédio dela, onde tocou desesperadamente em seu apartamento. Ninguém atendeu. Tentou mandar um e-mail, explicando tudo, mas a mensagem voltou. Revoltado, como se tudo o que viveram, tão importante para ele, tivesse sido esquecido, escreveu uma carta desesperada, foi novamente a porta de seu prédio, e lá deixou. Ele queria não só tentar convencê-la a voltar, mas também de sua sanidade. Domingos duvidava dela, começava a achar-se perigoso, só deixaria essa angústia quando ela acreditasse em sua saúde mental. A opinião das pessoas conformava a sua própria sobre si. Na manhã da terça-feira, ela respondeu a carta num e-mail, pedindo para não mais ser procurada. Maria estava com medo. Para alguém que tinha ânsia por amor, de ser amado, nada podia ser pior do que ser temido, ainda mais por alguém que amou tanto.

O tempo passou, a primeira semana foi dolorosa. Mas depois, tudo voltou ao normal. O vício havia escolhido se afastar do viciado. Foi o que Domingos percebeu posteriormente. Algumas semanas foram o suficiente para ele se dar conta da positividade daquele afastamento. Pouco tempo depois do dia fatídico, Domingos ainda ligou para Maria, sabendo por um amigo que conhecia uma conhecida dela que a menina sofria por ele. Ela atendeu, mas não quis conversar. Havia indiferença na voz. Domingos ficou mexido, mas digeriu bem.

Aquele relacionamento turbulento mexeu profundamente com o jeito de ser de Domingos. Nunca mais relacionou-se com mulher alguma, e agora passou a temer por isso. Embrenhou-se na crença de seus ideais, e passou a ser mais introspectivo, a ter uma opinião ainda mais pessimista sobre as relações humanas. Agora só poderia se relacionar sadiamente quando chegasse a ser aquilo que desejava, aos seus ideais, mas nunca conseguiu. Ainda tenta, mas sabe o tamanho de sua luta. Afinal, seu maior adversário é ele próprio, no afã de deixar na posição de objeto para sujeito de sua própria vida.
(TALVEZ CONTINUE, TALVEZ FIQUE MAL RESOLVIDO, AFINAL, ASSIM É A VIDA...)

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